sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

PEQUENOS FATOS INFERNAIS.

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Se não me engano, foi Jean Paul Sartre quem disse : -“O inferno são os outros”.
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Uau, que frase esta! De difícil interpretação e sentido amplo, ela com certeza gera uma margem que permite a alguns considerarem-na enfática e negativa, e outros, correta e oportuna.
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Vejamos: quando os outros são fonte de compreensão, amizade, ética, fraternidade, acolhimento e amor, na verdade são parte do Paraíso. Meu paraíso particular é assim: tem dias claros, muitas bibliotecas, espaços limpos e amplos cheios de amigos inteligentes, bondosos e compreensivos, com os quais eu posso conversar por horas e horas, exercitando minhas habilidades de reflexão e convívio fraternal. Tem também um silêncio onipresente, quase sagrado, que é ocasionalmente entrecortado por melodias suaves e harmônicas, do tipo que faz bem à alma. Na verdade, eu encontro esse paraíso na Terra em raríssimas ocasiões. Em ocasiões especialíssimas, diga-se de passagem.
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Muito mais comum e corriqueiro do que isto, porém, é eu me ver envolvida em situações que me remetem ao arquetípico inferno, lugarzinho onde habitam as mentes mais incautas e que já foi, exaustiva e diversamente, descrito por inúmeras religiões e obras literárias como a “Divina Comédia”, de Dante.
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Relaciono a seguir, para sua apreciação e diversão, alguns instantâneos deste meu inferno particular, o qual salta à vista sempre que me pego praticando aquele tipo de olhar que realmente vê e percebe o que ocorre ao meu redor.
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Quer coisa mais infernal, mais insuportável do que você estar preso no trânsito lento, num dia destes de calor insuportável e ter, ao seu lado, um carro dirigido por aqueles camaradas fortões, bombadões, de camisetinha regata colada ao corpo, um daqueles tristes Stalones tupiniquins, que toca num volume pantagruélico aquelas músicas paupérrimas e barulhentas, compostas para quem tem Q.I. de ostra?
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Ou estar numa fila qualquer (são tantas as que a gente enfrenta que fica bem fácil imaginar uma) e o sujeito de trás, sem noção alguma de limites, começar a falar alto ao celular sobre coisas íntimas da vida dele, que você não deve nem quer escutar?
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Ou ainda, se sentar para ver um filme no cinema e ter atrás de si um bando de gente que fica matraqueando sem parar, como se estivessem na casa deles, tornando o prazer de ver o filme uma tortura de autodisciplina (afinal, a gente bem que quer, mas não pode, encher as orelhas das criaturas barulhentas de palavrinhas desagradáveis, ou, se formos mais “fortinhos”, de uns bons cascudos!).
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É... e isso tudo acontecendo enquanto aquele camarada enorme chega abraçado com a namorada, atrasado para a sessão, e fica na sua frente, tampando as legendas, enquanto espera os olhos se acostumarem à escuridão para poder encontrar um lugar para se sentar. E isso, para logo depois, assim que ele se sentar, tornar a se levantar pra comprar pipoca, refrigerante e depois ficar novamente na sua frente, repetindo o ritual anterior.
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Tem também aquele momento em que você está na estrada, dirigindo contente com o vento no rosto, feliz e absorto, e o camarada do carro à frente de repente lança pelo vidro do carro uma latinha de refrigerante vazia que vem voando para cima do seu carro, obrigando-o a praticar manobras dignas de um ás do volante para não ser atingido. -“PORCO!”, é o que a gente grita por dentro (e às vezes para fora também!), mas não dá para fazer mais que isso... Ah, se desse, ah se desse!
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Tem mais algumas coisinhas que também me deixam mal, que talvez outras pessoas nem enxerguem. Por exemplo, toda vez que vou ao Carrefour e passo pela seção de rações (eu e meus eternos gatos!), fico desolada ao ver a seção de plantas morrendo, literalmente batendo as botas, por falta de água. Óh raios! Se os administradores da loja compram as plantas é porque pretendem vender; se pretendem vender, deveriam cuidar do seu patrimônio, senão pelo respeito que deveriam nutrir pela vida das plantas, ao menos para evitar o prejuízo certo de perder as plantas. Custa muito manter as plantas molhadas?
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Outra coisa que me leva às profundezas abissais é ouvir de uma mãe de aluno, à qual pedi para conversar com o filho de uns oito ou nove anos sobre o péssimo comportamento dele na sala de aulas a frase- “Ai, professora... eu não sei mais o que fazer com o fulaninho, ele não me obedece, já tentei de tudo mas ele faz o que quer...” . Socorro, gente. Pode isso?
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Se não dá para se dedicar a educar os filhos porque dá muito trabalho, porque então ter filhos para depois entregar sua responsabilidade pessoal nas mãos de um profissional que é apenas isso, p-r-o-f-i-s-s-i-o-n-a-l da Educação, e que não tem como função fazer papel de pai e mãe?
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Para terminar de ilustrar parcialmente as cenas do meu inferno particular, trago ao palco os guardadores de carros, aquele camaradas mais ou menos sinistros, que ficam de plantão em todo canto da cidade, onde quer que haja uma vaga disponível, para extorqui-lo como se fosse a coisa mais natural do mundo. –“E aí, dona, posso dar uma olhadinha?”. Pode. Pode sim, não custa nada olhar, mas me explique agora porque é que eu tenho que pagar para um estranho por estacionar dentro da cidade, que come meus preciosos reais em diversas parcelas de IPTU?
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Parem o mundo que eu quero descer... alguém sabe me informar quando é que sai a próxima astronave rumo “ao infinito e além”?
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