sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

O SOM DA NOITE.

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Outro dia resolvi sair à noite com uma amiga para beber uma cerveja, jogar conversa fora, falar dos sonhos e esperanças, das dúvidas e temores, das coisas divertidas e das que assustam. Nada demais, o de sempre: sair para tirar o pó da alma, quebrar a rotina, sentir-se viva!

Fomos a um barzinho charmoso, que sempre tem um som ao vivo muito bom e que, por quase nunca ser excessivamente alto (o que é a maldição destes lugares), acabou por me cativar. Falo do “Blues Brazil”, que fica ali pertinho da praça da Eletro.

O ambiente deste barzinho não difere muito do ambiente de qualquer outro: meia luz, mesas dispostas de forma a propiciar alguma privacidade aos casais que ali estão e jovens prestativos atendendo atenciosamente aos clientes. Porém, há um algo que faz, para mim, toda diferença: a música. Eles sempre têm música ao vivo de qualidade por lá e, nesta noite em particular, havia um pianista. Um pianista dos bons.

Ele era moreno e tinha bigodes fartos e intimidadores, porém sua face serena não parecia nada ameaçadora, deixando apenas aos bigodes a tarefa de impor respeito. Das suas mãos saiam maravilhas, era um algo quase mágico ver como seus dedos percorriam o teclado com facilidade e sensibilidade. Estimo em uns 50 anos sua idade, muito mais baseada no repertório amplo e bem construído, coisa de quem é maduro e experiente, do que em sua aparência, que se revelava atemporal.

É verdade que alguns dos presentes não estavam verdadeiramente “presentes”... muitos ali, envolvidos em seus mundos pessoais, mal escutavam as músicas que ele tocava tão bem. Eu já toquei na noite por muitos anos e sei bem como é isso: para cada dez presentes, há apenas um ou dois que percebem e curtem as músicas que interpretamos, mas esse poucos são suficientes para que nos sintamos percebidos, gratificados.
Ele não parecia se importar muito com isso (os anos de prática nos ajudam a relevar), pois seguia tocando música após música com seu estilo pessoal, cheio de nuances jazzísticas.

Para mim foi uma festa ouvi-lo: conheço todo o repertório dele e, por sorte, as músicas estavam no meu tom e eu cantarolava baixinho, de onde estava, praticamente todas elas. Bossas, músicas internacionais, grandes obras da MPB, tudo enfileiradinho para o meu prazer!

De vez em quando eu corria os olhos em volta e me espantava com a falta de atenção das pessoas... será que elas não pressentiam a qualidade da música? Será que não tinham também vontade de cantar baixinho, exercitando o lado mais sensível da alma? Ah, não importa, cada um desperta para o belo em seu devido tempo e sei não há pressa, pois este despertar é inevitável em algum momento da vida.

Fiquei ali bebericando ao lado da minha amiga, entremeando conversa com cantoria por umas duas horas ou mais. E ao sair não resisti, fui até lá para cumprimentá-lo pelo bom gosto (igual ao meu, o que me leva a crer que é verdade que “narciso acha feio o que não é espelho”) e registrar que seu trabalho fez a minha noite mais bela, muito mais agradável e, com certeza, me fará voltar lá mais vezes ao lado de amigos para simplesmente curtir aquele som limpo, bem construído, carregado de expressão, que ele cria com tanta facilidade.

Fica a sugestão: reúna alguns amigos e vá até lá uma noite destas para ouvi-lo tocar (mas não se esqueça de contar para mim depois como foi sua experiência, ok?)

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