quinta-feira, 11 de março de 2010

ROGAI POR NÓS.

(Esta crônica fopi escrita no dia seguinte ao terremoto que devastou o Haiti)

É quarta-feira à tarde e faz um calor insuportável; os trovões rugem nos céus e da minha janela eu posso ver a chuva fresca caindo sobre a serra de Campos do Jordão... mas isso, só lá: aqui em casa, que é bom, não cai nem uma gota sequer!

E eu, sentada em frente à tela luminosa do computador, fico repassando na mente as últimas vinte e quatro horas que vivi, vinte e quatro horas recheadas de fatos diversos, cheias de novas informações e experiências, intensas e compensadoras (para mim, é isto que faz valer a pena viver: o aprendizado!).

Eu aprendo com tudo: com gente, com situações, com plantas (qualquer dia eu falo sobre os meus insights desencadeados por plantas), com animais, com tudo o que me cerca... sou aprendiz de tudo em tempo integral, é isto o que melhor me define.

Por exemplo, hoje cedo fiquei mais de quarenta minutos sentada sozinha na praça central de Caçapava, enquanto esperava que o perito vistoriasse meu carro para eu poder consertar o estrago causado por uma colisão traseira ocorrida dias atrás. Não, não foi minha culpa, mas está me dando muito trabalho e chateação mesmo assim.

E enquanto ficava ali sentada, bebendo água e olhando as pessoas à minha volta, percebi um grupo de senhores já idosos sentados no banco ao lado, conversando animadamente sobre temas diversos. Pelo que pude notar este encontro não foi casual e acredito mesmo que ele seja quase que um ritual social, que seja aquele tipo de encontro diário, fraterno e bom que os sortudos aposentados, que já não são escravos do relógio, podem vivenciar (um dia eu chego lá!).

Dou a mão à palmatória: sou mesmo curiosa e estiquei meus ouvidos xeretas para poder escutar a conversa (o que é uma coisa muito feia que você nunca deve fazer, certo?). De um deles ouvi um relato bem completo sobre a tragédia causada pelo terremoto de ontem no Haiti, assunto que fiquei pesquisando na internet até tarde da noite.
Eu não sei de onde ele tirou as informações dele, mas elas eram tão boas e completas quanto as minhas, o que me levou a considerar a idéia de que ele também ficou insone noite adentro, procurando por fatos novos. A única dúvida que ele ainda tinha era se havia ou não brasileiros entre as vítimas fatais do terremoto, mas infelizmente, nesta altura do dia, com o Sol já se pondo, eu pude acessar a notícia de que há sim alguns brasileiros mortos pelos desabamentos causados pelo tremor.

De um outro senhor ouvi um desabafo sobre essa nova estocada do governo sobre o povo, de querer passar por cima da Lei da Anistia, que eles agarraram com as duas mãos quando interessou a eles, para desenterrar alguns esqueletos selecionados do tempo da ditadura militar ( mas apenas os que interessam ao governo; os outros podem continuar repousando tranqüilos em suas covas silenciosas).

Ele falou mais ou menso assim: -“O povo ainda não percebeu que a ditadura voltou, só que agora camuflada e sorridente, mas nem por isso menos despótica”.

Uau, gente! Sinceramente, eu tive vontade de me meter no meio da conversa para cumprimentar e abraçar o velhinho, um cidadão consciente, crítico e atuante ainda, mesmo naquela idade avançada. Mas, como eles iriam achar que eu estava louca e daí eu teria que sair daquela sombra confortável para ir esperar pelo meu carro em algum lugar menos agradável, preferi ficar quietinha mesmo, festejando só por dentro a minha constatação.

Depois, me pus a rememorar as imagens (poucas, por sinal) que consegui capturar na internet sobre o tal terremoto e me pus a pensar: poderia ter sido aqui.

Olhei as belas casinhas, as árvores maravilhosas da praça e as pessoas profundamente concentradas nos seus sonhos pessoais, tão centradas em suas vidinhas e alheias ao resto quee fiquei mesmo preocupada.

É, poderia mesmo ter sido aqui, não há nada que impeça que isto aconteça. Mesmo porque, pelo visto, Deus resolveu pedir cidadania em outro país e, por conta disto, teremos que abandonar o já famoso jargão “Deus é brasileiro!”

Era brasileiro, meu bem, era! (ou será que não temos sofrido com as chuvas excessivas, as secas cruéis, as enchentes, os tufões, os deslizamentos, e agora... tremores?).

Vamos aos fatos: tremores de terra recentes no Brasil até agora: DIA 30/12 - Presidente Figueiredo/AM - magnitude 3.0 / DIA 02/01 - Sobral/CE – magnitude 2.7 / DIA 09/01 - João Câmara/RN – magnitude 2.0 / DIA 11/01 - Taipu/RN - magnitude 3.8 / DIA 11/01 - Vitória/ES magnitude ainda não divulgada.

E pensei: -"Nossa, precisamos urgentemente rezar, orar, mentalizar a luz e o bem; precisamos fazer a nossa parte, fazer o que for possível para ao menos tentarmos evitar que toda esta dor algum dia recaia sobre a nossa terrinha (e pensei assim acometida por um bairrismo egoista de dar dó, como se um ser humano do Haiti fosse diferente de um ser humano brasileiro em algum aspecto; como se fossemos algum tipo de ser especial nos planos da criação... É inacreditável como somos vaidosos e meio cegos: lá tudo pode, aqui não!).

E assim, por achar que o momento é propício para a prece e a irradiação de luz para toda humanidade, orei mais ou menos assim:

-“Para que possamos resistir ao ar que respiramos, todo cheio de impurezas” - rogai por nós

-“Para que paremos de assassinar rios, peixes, baleias, golfinhos e animais de belas pelagens, eternamente movidos pela nossa ânsia de consumo e pela nossa excessiva vaidade” - rogai por nós.

-“Para que possamos ver nossos netos nascerem numa Terra ainda viva” - rogai por nós.

-“Para que compreendamos que temos que parar de usar o planeta como lata de lixo” - rogai por nós.

-“Para que resolvamos encarar de frente nossas responsabilidades para com as gerações futuras, que precisarão de alimentos, água e ar puros para sobreviver” - rogai por nós.

-“Para que paremos de pensar a vida em termos de números e estatísticas” - rogai por nós.”

-Para que o SER seja mais importante do que o TER” - rogai por nós.

-“Para que minhas mãos não precisem mais se cerrar em movimentos de defesa contra meus irmãos e possam se abrir, doadoras de dádivas fraternas” - rogai por nós.

-“Para que aqueles que têm muito se curem daquela cegueira crônica que os impede de enxergar aqueles que nada têm” - rogai por nós.

-“E, se não for pedir muito, abençoai-nos com o perdão pela nossa voracidade, pelo nosso egoísmo, pela nossa inconseqüência, pela nossa crueldade e desrespeito para com as formas de vida diferentes de nós... abençoai-nos para que não tenhamos que amargar, em breve, a mesma dor que enfrentam nossos irmãos do Haiti no dia de hoje... amém”.

Bem, eu ainda não sei para qual santo ou santa irei rezar esta minha oração, quase uma ladainha, mas sei que ele ou ela terá que ser um santo forte, incrivelmente competente e corajoso, porque a situação atual já está bem feia e eu nem sei se ainda há algum caminho de volta...
E então, qual santo vocês me sugerem?

...

A VIDA ACONTECE NO SALÃO DE BELEZA.

Ontem eu, teimosa que sou, decidi mais uma vez dialogar com os cachos do meu cabelo, na esperança de convencê-los a darem tréguas ou a, quem sabe, se suavizarem.

Sim, porque nestes tempos velozes de muita pressa, muitos compromissos e de uma incondicional paixão popular pelos cabelos lisos, não é muito simples ter que lidar com meus cachos pouco dóceis e nada compreensivos, cachos que já se levantam da cama armados até os dentes para a guerra.

Aliás, cabe aqui uma pequena explanação: não são exatamente cachos, porque se fossem eu até que seria feliz... eu me pareceria com um querubim barroco ou assumiria um visual mais “descolado” e seguiria em frente, sem pestanejar. Mas não, não são cachos, são ondas. Em vez de cachos tenho ondas! Lugar de onda é no mar, certo? Então, o que elas estão fazendo aqui?

Claro que, experiente que sou, decidi usar alguns argumentos mais efetivos para tal negociação, visto que minhas armas pessoais, a escova e o secador de cabelos caseiros, são singelas demais para o profissionalismo destas ondas rebeldes. E assim fui à cabeleireira, uma profissional que ocasionalmente doma minhas madeixas com alguns produtos químicos bastante fedorentos que se intitulam pomposamente de “escova progressiva”. E assim lá vou eu, ficar sentada quietinha enquanto aquela gosma branca e mal cheirosa é pacientemente espalhada, escovada e alisada nos fios do meu cabelo.

Depois de folhear algumas revistas mais ou menos antigas não sobra muito para fazer a não ser prestar atenção às conversas das outras clientes, que fazem as unhas ou apenas interagem umas com as outras em animados bate-papos enquanto eu fico ali, com meus olhos lacrimejantes e meu nariz ardendo terrivelmente com os vapores que saem do cabelo superaquecido pela chapinha, me perguntando (e respondendo a mim mesma) de quando em vez: “Quem será que teve esta idéia brilhante de adicionar formol a uma formula capilar para alisar cabelos? Não sei, e o duro é que funciona!”. E, mesmo sem querer, vou ouvindo incríveis confissões sobre problemas domésticos, dúvidas religiosas e relacionamentos ardentes.

A conversa segue animada com a participação de todas e as idéias e palpites pululam aqui e ali. Receitas culinárias são trocadas, simpatias são ensinadas, opiniões sobre personagens de novelas mais ou menos maus são expressas e defendidas apaixonadamente e os assuntos se multiplicam, numa cumplicidade instantâneas, estranhamente capaz de colocar mulheres muito á vontade entre as quatro paredes de um salão.

As vantagens e desvantagens do batismo precoce das crianças vêm à tona e as opiniões divergem. Tenho que admitir que nem todas as colocações que ouvi foram inteligentes, lógicas, coerente ou sensatas. De uma moça presente, que defendia a idéia de só se batizar os filhos mais velhos, quando eles pudessem dizer que gostariam de ser batizados, ouvi a pérola: -“A Igreja Católica diz que a gente tem que batizar os filhos porque todos nós nascemos com o pecado da castidade!” Puxa vida, e eu que sempre pensei que a tal castidade fosse uma virtude?

De outra ouvi que marido a gente só consegue manter fiel e ao lado da gente quando não faltam em casa “cama e comida boas”, num claro apelo aos instintos mais primários do ser humano (amigas: esta foi inteligente, não foi?).

De uma senhora muito idosa, porém bastante vaidosa e simpática, ouvi um breve discurso sobre a falta de respeito das crianças de hoje pelos mais velhos e fiquei encantada quando ela, muito lúcida, atribuiu a culpa pelo problema às famílias desengonçadas e mal alinhavadas da nossa atual sociedade e não aos professores, os eternos culpados de tudo de ruim que acontece hoje em dia quando se trata de crianças ou adolescentes desajustados, violentos ou mal educados. Gente, é sério: quase me levantei da cadeira, com os cabelos ainda mezzo mussarela, mezzo calabresa, para aplaudir a velhinha, pois tenho a convicção de que se não houvesse a atuação dos professores em sala de aulas, domando más tendências e reparando alguns estragos emocionais vindos do lar, a coisa seria bem pior do que já é.

Enfim, meu cabelo ficou pronto (ou quase: o cheiro ruinzinho ainda persiste, pois só poderei lavá-lo daqui a dois dias, sob pena de perder os “efeitos lisos” do produto se lavar antes) e, pagando pelo serviço, me dirigi à porta carregando a sensação de ter sido testemunha de um momento intenso de intimidade entre estranhos, um momento Felliniano mesmo, onde o improvável (confissões íntimas entre estranhas) pode acontecer com toda naturalidade do mundo.

Uma última colocação: desculpem, homens, mas vocês nunca conseguirão participar de algo assim, pois é privilégio da alma feminina, a grande responsável pela manutenção da vida no planeta e da paz possível entre os homens, esta capacidade de ser e compartilhar amistosamente aquilo que se pensa, sente e pratica com outros seres humanos, sem grandes reservas ou desconfianças.

Mas não desistam ainda: se houver (e deve haver) reencarnação sobre o planeta, ainda há chance de vocês voltarem como mulheres e assim transcenderem estes limites meio estreitos que os acompanham e limitam, ok?

Tenham todos um ótimo fim de dia!