terça-feira, 1 de março de 2011

A INDIFERENÇA HUMANA.

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A cultura da indiferença é uma cultura cruel.

E isso é assim apesar das campanhas religiosas, de alguns comerciais de TV sensíveis, dos muitos livros já escritos sobre o tema , das campanhas sociais e alguns bem intencionados nos exortarem a dirigirmos um olhar amoroso para o nosso semelhante, a estendermos as mãos em auxílio aos mais necessitados, a nos doarmos em favor do outro.

Eu conheço esta realidade muito bem porque, por conta dela, eu já tomei muitas atitudes em favor de outros seres humanos, de animais, de grupos necessitados de auxilio e me intrometi em várias realidades que não as minhas tentando ser útil.

Adotei crianças, recolhi animais abandonados, fui voluntária em n+1 ONGs e comunidades religiosas, dirigi voluntariamente instituições filantrópicas... e isso tudo pelo mero prazer de facilitar e tornar mais bela a experiência de vida dos outros.

Mas o que a vida ensina no cotidiano aos puxões de orelhas, na crua experiência dos dias, é algo bem diferente. A prática da vida no dia-a-dia, a violência das ruas, a lei de Gerson reinante em todo e qualquer canto (filas, trânsito, restaurantes e etc.) e a competitividade em todas as esferas sociais nos dão tapas na cara nos ensinando, por exemplo, a desviar os olhos quando vemos um homem bêbado, batido pela vida e reduzido a nada, jogado numa calçada qualquer, visto que “ele bebe porque quer”; ensinam-nos a fechar bem fechadinho o vidro nos semáforos, porque as crianças que vendem doces nas paradas dos carros são trombadinhas em potencial; nos ensinam a ignorar a presença do vizinho, porque além de a televisão ser bem mais interessante do que ele, ela nunca nos pede favores, apenas nos vende ilusões e mentiras (o que é muito mais cômodo). E é por isso, porque a vida é uma escola cruel, dura e fria, que acontecem coisas como a relatada a seguir.

O corpo de uma idosa portuguesa foi encontrado, na cozinha de seu apartamento em uma vila a 25 km de Lisboa, Portugal, quase nove anos depois do registro de seu desaparecimento. A descoberta ocorreu na terça-feira (08/02), dia em que ela seria despejada por atrasar a prestação do imóvel. “Foi uma vergonha para o país. Se não fossem as Finanças (órgão responsável pelo despejo) quererem o dinheiro deles, o corpo continuaria lá”, diz Aida Martins, de 82 anos. Foi ela quem, em agosto de 2002, avisou as autoridades locais sobre o desaparecimento da vizinha, Augusta Martinho, que completaria 96 anos neste sábado, dia 12.


“Eu olhava para a janela dela, que tinha luz acesa todos os dias. Até que um dia a luz apagou-se".
A aposentadoria havia sido cortada em 2003. Aida enviou de volta os recibos que se amontoavam na caixa de correio de Augusta. A energia também foi cortada. “Quando eu ia trabalhar, olhava para a janela dela, que tinha a luz acesa todos os dias. Até que um dia a luz apagou-se”, conta a aposentada Fernanda Borges, de 55 anos, também moradora do prédio.


Após localizar um parente pela lista telefônica, como orientada, Aida afirma ter voltado à Guarda Nacional Republicana para abrir o inquérito. “Localizaram uma foto de quando ela era professora em outra cidade e me perguntaram se eu a reconhecia. Disse que sim", afirma Aida, que foi orientada a aguardar. Os pedidos de arrombamento não adiantaram, conta a idosa. “Eu disse: o condomínio paga a fechadura."

Na terça-feira, os novos proprietários, um funcionário das Finanças e um chaveiro chegaram para tomar posse. A porta de entrada já havia sido aberta, mas o corpo de Augusta impedia a entrada na cozinha. Os bombeiros foram chamados. “Havia também o cadáver de um cão e de alguns pássaros, que deviam fazer companhia para ela, mas nunca houve cheiro algum”, diz Luís Pimentel, comandante dos Bombeiros de Agualva-Cacém, que atenderam à ocorrência. Em 43 anos de profissão, diz ele, foi a primeira vez que se deparou com um caso como esses.

“Ela era muito amiga dos animais. Ralhava com ela algumas vezes, pois dava comida aos gatos aqui na rua e atraía ratos”, diz Júlio Luís, de 60 anos, dono de um pequeno café ao pé do prédio da vítima. “Ela era pouco sociável. Só passava para jogar o lixo fora.”

Apesar de ser uma das primeiras moradoras do prédio, Augusta era reservada, segundo os vizinhos. “Era só bom dia, boa noite na escada”, diz a aposentada Laurinda Cardoso, de 77 anos, que mora no andar de baixo ao de Aida. “Ela só tocava a campainha para pagar o condomínio”. O marido havia morrido alguns anos atrás. Ela não tinha família, não estava inscrita em nenhuma associação de terceira idade. “Sabíamos que ela morava ali, mas não mantínhamos contato”, diz Felipe Santos, da Junta de Freguesia (semelhante, no Brasil, à subprefeitura) de Rio do Mouro. “Ninguém consegue explicar como isso ocorreu. Mas ocorreu”.

E é assim que encerro a coluna de hoje, com uma minúscula oração:

-“Dona Augusta, neste momento eu peço ardentemente "Àquele que governa os Universos" que a senhora encontre pessoas boas e amáveis, carinhosas e ternas aí onde a senhora está agora e que isto seja suficiente para que a senhora esqueça os tristes momentos de isolamento e a morte solitária que teve que vivenciar. Amém.”

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