quarta-feira, 24 de novembro de 2010

PARA ONDE CORREMOS?

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-“Eu ando pela rua e os automóveis correm para quê? As crianças correm para onde?”... assim canta Adriana Calcanhoto, externando em palavras musicais minha perplexidade contemporânea sempre repleta de questões transcendentes e incômodas. Tudo corre: o tempo, as pessoas, os carros, os sentimentos... fica a pergunta: para onde?

Eu ainda posso me lembrar de um tempo em que nos fins de tarde havia cheiro de café e bolo de fubá fresquinho, postos sobre a toalha de tecido limpo e cheiroso, seco num varal ao sol. Era um tempo em que quase tudo girava em torno de coisas hoje consideradas tolas, na verdade tão importantes quanto o ar que respiramos: amizade, convívio familiar, alegria de conviver, afeto, apoio mútuo e bem-querer.

(Hoje, a roupa é seca na secadora elétrica e tem cheiro de amaciante: o café sai das máquinas caras das cafeterias e é servido pelas mãos experientes, profissionais e frias de um barista, e o bolo de fubá, industrializado, perdeu o encanto daquele sabor caseiro, proporcionado pelas sementinhas de erva-doce e pelo carinho de quem o produzia.)

O tempo passou e junto com ele se foi a poesia, a leveza, a integridade das pessoas, a claridade dos dias. Em troca o progresso nos trouxe coisas outras, tais como a insônia, o stress, a síndrome de pânico e a depressão. Brindes modernos estes, que recebemos gratuitamente já quando aportamos no cais da adolescência, que é quando começamos a ser cobrados como adultos pelo mundo que nos cerca. Sim, pois todo adolescente que se preza hoje cursa aulas de Inglês, Informática, cursinho, escola, baladas, tem vida social e amorosa intensas e faz de tudo para ser um clone bem sucedido das figuras globais, ícones de uma estética artificial e enlatada que acomete de desespero todos aqueles que, por infelicidade, não se adaptam ao modelo imposto.

Andamos tão apressados, desatentos e sobrecarregados de cobranças sociais, que me parece imprescindível perguntar: você já se perguntou alguma vez o que está fazendo com sua vida?
Para onde exatamente você está se encaminhando?

Os valores mudaram tanto que, ocasionalmente, fico estarrecida ao ver o quanto nos perdemos de nós mesmos. Parece que nós nos esquecemos de sentir, de cheirar, de parar para olhar, parar para viver e respirar, de parar para realmente vermos algo e nos surpreendermos com os milagres diários, de parar para nos emocionarmos. E por que, hoje em dia, nós não nos surpreendemos, nem sentimos, nem mergulhamos profundamente nas experiências, nem vivemos mais e mais? Pode ser que seja porque esperamos, equivocadamente, que um brilho mágico de glitter ou néon venha de fora para nos iluminar e enfeitar, enquanto que, na verdade, é apenas de dentro de nós que alguma luminosidade pode surgir.

Alheios a esta verdade, seguimos acomodados às expectativas alheias impostas pelo meio, expectativas que já vêm enlatadas com os conservantes do mais puro delírio social, enquanto aguardamos o lançamento da “felicidade instantânea”, quiçá vendida em pacotinhos tetrapack a preços módicos.

Construir a própria felicidade trabalhando, correndo riscos, pensando, questionando valores, ousando e abrindo o peito ao bom e ao novo? Qual o quê! Nada disso, pois sempre será mais simples nos atermos à banalidade do usual, do comum e amplamente aceitável, para sermos festejados e consumidos por outros seres tão tacanhos e, porque não dizer, covardes quanto nós.
Presos a valores risíveis e insanos, nem temos tempo de raciocinar, de refletir, repensar ou de escolher livremente, pois não podemos amar o azul num mundo só de amarelos, sob o risco de sermos considerados “estranhos” ou “anormais”. Não temos tempo nem vontade de enxergar as mil maneiras diferentes pelas quais estamos matando o romantismo, a fraternidade, o planeta e a vida, tal como a conhecemos.

Vivemos assim, no “piloto automático”, fazendo só e tão somente aquilo "que deve ser feito", prioridade sempre definida pelo meio e pelo outro, nunca por nós mesmos, os mais prováveis soberanos dos nosso destinos. Optamos sempre por aquilo que nos é mais fácil, que é aceito e festejado pela família e pelo padrão social.
Eternamente apegados à mesmice generalista, vivemos para satisfazer estas expectativas pré-fabricadas que o meio nos impõe. Esquecemos-nos dos nossos corações e da nossa pura criança interior. Eles também têm voz e querem falar mais alto, mas nós os silenciamos quando ignoramos o privilégio de podermos abandonar, a qualquer momento, o caminho predeterminado pela “matrix”, sem dever nada a ninguém e sem nos atermos ao orgulho vazio de sermos apenas aquilo que esperam de nós.

Diuturnamente testemunho sonâmbulos andando e colidindo entre si nas calçadas repletas de qualquer cidade. E sempre me espanta o número de mortos vivos que dirigem, orgulhosos e vaidosos, seus reluzentes carros do ano, indo e vindo em alta velocidade de não sei onde para lugar algum.

Vejo também, com certa compaixão, homens de terno que correndo pelas ruas sob o Sol abrasador, como quem corre num pesadelo (e sem saber do que!), enquanto mulheres de todas as etnias tentam ficar loiras, jovens (mesmo aos cinqüenta ou sessenta anos) e palatáveis aos machos de plantão, não se importando com a qualidade das relações afetivas que construirão em cima de tantos enganos e ilusões.

A verdade é que, de certa forma, estamos nos tornando marionetes da ilusão, andróides impessoais, repetindo sem parar padrões consagrados. Conseguimos nos industrializar, nos pasteurizar, abolindo o brilho das nossas almas e nublando nossa capacidade de reflexão pessoal. Mas saiba: você sempre pode escolher despertar e não se submeter, portanto, acorde para sua realeza pessoal, sinta mais e pense menos, reflita mais e aceite menos as sugestões da matrix, escolha por si mesmo cada um dos seus passos.

Comece escolhendo a sua comida, suas roupas e seu cabelo, sem se prender ao padrão global ou aos letreiros nas praças de alimentação. E vá, aos poucos, resgatando sua autonomia de cocriador da existência, vivenciando seus aspectos divinos, extraindo de si e da vida aquilo que de melhor puder extrair. Siga vivendo, enfim, com mais poesia e entrega, com mais atenção aos momentos, fruindo os fatos da vida em vez de atropelá-los.

E saiba: só você pode fazer isso por você, ninguém poderá ajudá-lo nesta tarefa. Assim, sugiro que você arregace as mangas e comece agora o mais importante trabalho da sua vida, o de resgate daquele ser divino, pleno e reflexivo que você sempre foi. Ah, e um detalhe: faça isto enquanto é tempo, ok?

Um comentário:

Anônimo disse...

tô contigo darling! é fácil percebermos essas diferenças porque nascemos em um tempo mais gentil, apesar de todos os problemas que nossas geraçoes viram. o grande mal, na minha humilde (humilde mesmo!) opinião foi a invençao da TV em nossa geraçao e a internet na geraçao atual. a proxima ( se existir) talvez viva num holograma. a vantagem deste futuro de ralidade virtual é que talvez o planeta seja mais silencioso, pois cada optará para viver num mundo que sua imaginaçao conseguir criar, ou comprar de outros mais talentosos.
quem viver, verá!….eu espero que meu Ser esteja a muitos anos luz desta galáxia quando essa época chegar aqui.