quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Bom dia leitores.

Pela graça do Senhor já se foram as eleições. A propaganda eleitoral acabou e a vitória da “dama do pt” se fez. Em relação a mim a contragosto, pois não gostei de ver vencer alguém que coleciona em seu passado assaltos a bancos, seqüestros, episódios de tortura e outras coisinhas assim leves. Ver assumir a presidência do meu país alguém deste quilate (alguém pior do que eu mesma, visto que sou incapaz deste tipo de violência, mesmo para defender ideologias), me fez desacreditar de vez nas construções humanas.

Mas isso não vem ao caso, pois é certo que política, religião, futebol e gostar de arroz com piqui são assuntos que não se discute.

O que eu gostaria mesmo de ver, em termos de administração, era um governante eleito, (de esquerda, direita, centro, acima, abaixo, de dentro ou fora, tanto faz, já que dá tudo na mesma meleca), abrir os olhos ao que realmente importa em termos humanos, em termos de valorização da vida. Mas já desisti disso também, pois os números importam mais que as pessoas a todos os administradores.

Porém, não abri mão ainda da pequena esperança que nutro em relação ao coração das pessoas comuns, aquelas que como eu enfrentam a vida cotidiana com o coração aberto ao novo e ao belo, que batalham pela melhoria do ambiente onde estão, que nutrem sincero carinho pelo próximo, que agem com ética, mesmo ás custas de imensos sacrifícios pessoais.

Assim, peço licença para dar passagem ao texto de Thiago de Mello, para deixar aqui uma sugestão singela de valores a se privilegiar no nosso cotidiano, por mais que lá fora as coisas sejam diferentes.

(E não me venham falar sobre as implicações políticas deste texto, visto que eu o leio com olhos desapaixonados, distantes destas convenções. Se o texto foi ou não revolucionário, se foi escrito por este ou por aquele motivo não me importa, porque a qualidade das verdades do que ele contém transcende, em muito, momentos e intenções).


Os Estatutos do Homem
(Ato Institucional Permanente)

por Thiago de Mello

Artigo I - Fica decretado que agora vale a verdade. Agora vale a vida, e de mãos dadas, marcharemos todos pela vida verdadeira.

Artigo II - Fica decretado que todos os dias da semana, inclusive as terças-feiras mais cinzentas, têm direito a converter-se em manhãs de domingo.

Artigo III - Fica decretado que, a partir deste instante, haverá girassóis em todas as janelas, que os girassóis terão direito a abrir-se dentro da sombra; e que as janelas devem permanecer, o dia inteiro, abertas para o verde onde cresce a esperança.

Artigo IV - Fica decretado que o homem não precisará nunca mais duvidar do homem. Que o homem confiará no homem como a palmeira confia no vento, como o vento confia no ar, como o ar confia no campo azul do céu. (Parágrafo único: O homem confiará no homem como um menino confia em outro menino).

Artigo V - Fica decretado que os homens estão livres do jugo da mentira. Nunca mais será preciso usar a couraça do silêncio nem a armadura de palavras. O homem se sentará à mesa com seu olhar limpo porque a verdade passará a ser servida antes da sobremesa.

Artigo VI - Fica estabelecida, durante dez séculos, a prática sonhada pelo profeta Isaías, e o lobo e o cordeiro pastarão juntos e a comida de ambos terá o mesmo gosto de aurora.

Artigo VII - Por decreto irrevogável fica estabelecido o reinado permanente da justiça e da claridade, e a alegria será uma bandeira generosa para sempre desfraldada na alma do povo.

Artigo VIII - Fica decretado que a maior dor sempre foi e será sempre não poder dar-se amor a quem se ama e saber que é a água que dá à planta o milagre da flor.

Artigo IX - Fica permitido que o pão de cada dia tenha no homem o sinal de seu suor. Mas que sobretudo tenha sempre o quente sabor da ternura.

Artigo X - Fica permitido a qualquer pessoa, qualquer hora da vida, uso do traje branco.

Artigo XI - Fica decretado, por definição, que o homem é um animal que ama e que por isso é belo, muito mais belo que a estrela da manhã.

Artigo XII - Decreta-se que nada será obrigado nem proibido, tudo será permitido, inclusive brincar com os rinocerontes e caminhar pelas tardes com uma imensa begônia na lapela. (Parágrafo único: Só uma coisa fica proibida: amar sem amor).

Artigo XIII - Fica decretado que o dinheiro não poderá nunca mais comprar o sol das manhãs vindouras. Expulso do grande baú do medo, o dinheiro se transformará em uma espada fraternal para defender o direito de cantar e a festa do dia que chegou.

Artigo Final. - Fica proibido o uso da palavra liberdade, a qual será suprimida dos dicionários e do pântano enganoso das bocas. A partir deste instante a liberdade será algo vivo e transparente como um fogo ou um rio, e a sua morada será sempre o coração do homem.

(Santiago do Chile, abril de 1964)
***

Nenhum comentário: