quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

A MESMA PRAÇA...

A MESMA PRAÇA...


Bom dia a todos!

Normalmente percorro as ruas do centro da cidade ao menos umas três vezes por mês e meus motivos são banais: as contas a pagar, os badulaques a comprar, os bancos a visitar. Rotina normal, todos nós fazemos isso e, verdade seja dita, nem sempre com muito prazer... depois de algum tempo os pés doem, o barulho irrita, o movimento intenso desgasta e tudo que queremos é ir embora, voltar para casa, deixar de lado o calor e o cansaço.
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Porém, adquiri um hábito que torna minhas pequenas peregrinações comerciais menos chatas, menos cansativas. Sempre que vou á cidade passo pela praça D. Epaminondas, prestando atenção ao que ali ocorre (olhando com os olhos da face e vendo com os olhos da alma), à vida que ali acontece pintada em cores vibrantes, passionais, a la Almodóvar, uma vida recheada de faces, corpos, sabores e sons dos mais variados.
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Já vi de tudo ali: crianças, vestidas de branco, tocando em doces flautas doces algumas cantigas de roda saudosas; meninas meio magricelas, vestidas com roupas brilhantes, tentando seduzir a multidão com uma dança do ventre bonitinha, mas ainda incipiente, decorada, sem espontaneidade (mas sei que isso virá a seu tempo, juntamente com as formas mais fartas e arredondadas que, no tempo propício, tornam o corpo feminino mais sedutor); um desenhista-retratista com seu cavalete, seus papéis, seus lápis e obras acabadas, ganhando a vida com arte e sensibilidade (aplaudo em pé: isso sim é ser fiel à sua alma, ao seu sentir... quantos de nós faríamos isso: viver como gostaríamos de verdade, deixando de lado as ambições desmedidas e os julgamentos alheios?)
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Num outro dia havia um senhor sentado ao pé de uma árvore, tocando simultaneamente uma gaita de boca e um chocalho, produzindo sons interessantes, ritmados, envolventes (em sua caixinha de papel eu deixei dois reais, visto que ele embelezou o meu dia com sua música incomum!); um duo tocando e cantando, sertanejamente, as paixões humanas, físicas, descrevendo suas desventuras amorosas em palavras como “pintei na parede um retrato dela, tatuei no braço o nome dela, guardei no peito a saudade dela...” ou algo assim.
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Já ouvi gente pregando, em alto e bom som, suas pequenas convicções e verdades pessoais aos presentes numa patética tentativa de arrebanhar adeptos novos; já presenciei cantores e cantoras entretendo a multidão com cantigas populares enquanto senhores de mais idade, provavelmente aposentados, discutem calorosamente seus pontos de vista enquanto olham de soslaio para as pernas das mulheres que passam de vestidos curtos.
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Nas Sextas-feiras e nos Sábados, floristas entram e saem da igreja da praça com imensos ramos de belas flores, deixando-nos a imaginar as belas decorações que os noivos providenciam para seus convidados.
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As feiras de artesanato, então, são uma verdadeira festa quando lá estão: crochê, patchwork, pintura em tecidos, bijuterias penduradas nas placas de madeira dos bichos-grilos, pecinhas de gesso ou madeira pintadas de forma divertida, doces caseiros, adesivos colantes e muito mais. Não sou muito (não muito!) consumista, mas já deixei meu suado dinheirinho lá por várias vezes. Sábado passado mesmo eu comprei uma lata para panetone pintada à mão (por isso mesmo mais valiosa) que pretendo dar de presente a uma amiga professora no Natal e comprei também um belo chapeuzinho lilás que pretendo usar nos dias quentes de verão para não queimar minha pele.
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(Cá entre nós, houve um dia em que nesta mesma praça eu até tomei uma lambada de uma sem-teto que tentei ajudar a passar menos frio no Inverno, mas isso é uma longa história que eu prometo contar em outra oportunidade, certo?).
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O que importa mesmo é que a praça é um microcosmo social, um mosaico colorido, mutável, divertido e deveras original a retratar a realidade do nosso povo. Ali a pobreza, a riqueza, o preto, o branco, o velho, o novo, a feiúra, a beleza, o correto, o duvidoso, o bom gosto e o brega se misturam com uma liberdade digna de nota. Há espaço para tudo e para todos e os fatos acontecem democraticamente, sem discriminação.
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E agora então, quando chega o tempo do Natal, a praça ganha algumas árvores decorativas originais, feitas de material reciclável, e recebe também uma carreta que estacionou por lá (com cadeira de Papai Noel, com o próprio e tudo o mais) a nos lembrar que as festas são chegadas e que o ano vai acabar. Chegou aquele tempo do ano que ainda desperta em alguns doces sentimentos de gratidão e reflexão, prometendo momentos de confraternização e alegria, mas que também trás a bordo um consumismo exagerado de bens e uma produção exacerbada de expectativas que nem sempre são realistas ou realizáveis.
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Mas vamos deixar para falar sobre Natal nas próximas semanas, ok? Hoje o importante mesmo é deixar aqui um convite: quando você for ao centro da cidade gaste um tempinho olhando, vendo, ouvindo e sentindo a vida que anima a praça. Compre um algo qualquer de um daqueles artistas, promova e elogie os trabalhos expostos, deixe uma moeda para o artista anônimo e humilde que alí oferece o que tem de melhor dentro de si, cante com os cantores e aplauda os músicos ou dançarinos... nada disso custa muito, só um tempinho de atenção. Seja você também uma pecinha colorida daquele mosaico tão rico, variado e bonito que retrata a vida da nossa gente.

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