UMA
MORTE PATROCINADA PELO SISTEMA.
Eu penso que foi por volta
de Julho de 2012 que eu o conheci. E foi através de uma postagem de desabafo
feita por ele no facebook. Nesta postagem ele narrava o motivo de sua perplexidade,
de sua revolta, algo mais ou menos assim...
Lutando contra o câncer há
cerca de ano e meio, entre as intragáveis sessões de rádio e de quimioterapia,
numa tarde fria de Julho, ele tomou coragem foi ao supermercado. Magro e careca
(por isso bem agasalhado e com gorrinho de lã) foi atacado por policiais
militares logo ao entrar no estacionamento. Sem nada entender, foi jogado ao
chão e revistado com brutalidade. Depois compreendeu: uma mulher, que havia
visto alguém tentando roubar seu carro no estacionamento, chamou a polícia e,
ao ser indagada sobre o suspeito, apontou para ele (sabe-se lá por que!), que
entrava naquele espaço sem saber de nada. Os populares ao redor acudiram e
explicaram que ele havia acabado de chegar. E assim ele foi liberado após
explicar que usava o gorro apenas porque estava com frio e já não tinha cabelos.
Foi liberado pelos PMs de cara feia, a contragosto, sem nenhum tipo de pedido
de desculpas.
E foi assim que conheci
meu amigo Lécio Panobianco, através do facebook. Trocamos ideias, muitas
ideias: de receitas para restauração da saúde a papos sobre fotografia (ele era
fotógrafo freelancer, e dos bons!)
Os meses foram se passando
e as suas consultas e exames no sistema público de saúde eram constantemente
desmarcadas, postergadas, negadas. O desespero dele crescia par a par com o
tumor que o ameaçava e nada havia a fazer, já que o dinheiro necessário para
pagar por tratamentos particulares não existia. A cada nova postagem dele lamentando
o descaso do sistema, que desmarcava seguidamente e sem dó consultas e exames,
o nó na minha garganta crescia e minhas pequenas tentativas (do tamanho dos
meus braços, nunca do meu coração) de conseguir alguma ajuda médica
recrudesciam, porém sem grande sucesso.
Foi quando outro conhecido
do facebook entrou na historia e conseguiu, através de alguns contatos pessoais
privilegiados, o milagre de realizar em uma semana tudo o que não se conseguiu
ao longo de um ano: exames em um bom hospital e a cirurgia que extraiu o tumor
de sua virilha. Uma grande vitória numa pequena batalha, mas com certeza uma
bandeira de esperança fincada no cume da incerteza. Mas foi tardia demais essa
vitória, pois as metástases já eram numerosas e só o que restou foi tentar
manter o bom ânimo, o moral elevado e um pouco de companheirismo pela internet
antes do fim.
Eu nunca tive a
oportunidade de conhecê-lo pessoalmente, só nos falamos por mensagens e uma vez
com áudio e vídeo, via skype. Porém, eu tinha um grande carinho por ele e
torcia imensamente por seu restabelecimento.
Ele se foi na sexta-feira
passada, dia dezenove de Abril de dois mil e treze. Não deveria ter ido, pois
ainda era novo, não tinha cinquenta anos. Mas se foi, deixando um vácuo em seu
lugar, uma falta que sua família sentirá por muitos anos ainda.
E se foi porque os
impostos que pagamos não servem para nos atender nas horas de necessidade e sim
para que políticos desonestos nos roubem diuturnamente, numa imoralidade já
costumeira, consagrada e asquerosa.
Ele se foi porque nenhum
profissional do sistema público de saúde que o atendeu e tratou teve
consciência e real interesse pelo ser humano que buscava ajuda... se foi porque
a cegueira e o desamor campeiam soltos por aí.
Lécio, meu amigo querido, na
verdade eu nem tive tempo de dividir com você minhas pálidas e frouxas crenças
num “depois da vida” benfazejo, confortador e compensador, mas estou aqui agora
de mãos postas e coração límpido, vibrando e orando pelo seu conforto, pela sua
alegria e pelo seu bem estar onde quer que você esteja.
Seja feliz, meu irmão.