quinta-feira, 11 de março de 2010

A VIDA ACONTECE NO SALÃO DE BELEZA.

Ontem eu, teimosa que sou, decidi mais uma vez dialogar com os cachos do meu cabelo, na esperança de convencê-los a darem tréguas ou a, quem sabe, se suavizarem.

Sim, porque nestes tempos velozes de muita pressa, muitos compromissos e de uma incondicional paixão popular pelos cabelos lisos, não é muito simples ter que lidar com meus cachos pouco dóceis e nada compreensivos, cachos que já se levantam da cama armados até os dentes para a guerra.

Aliás, cabe aqui uma pequena explanação: não são exatamente cachos, porque se fossem eu até que seria feliz... eu me pareceria com um querubim barroco ou assumiria um visual mais “descolado” e seguiria em frente, sem pestanejar. Mas não, não são cachos, são ondas. Em vez de cachos tenho ondas! Lugar de onda é no mar, certo? Então, o que elas estão fazendo aqui?

Claro que, experiente que sou, decidi usar alguns argumentos mais efetivos para tal negociação, visto que minhas armas pessoais, a escova e o secador de cabelos caseiros, são singelas demais para o profissionalismo destas ondas rebeldes. E assim fui à cabeleireira, uma profissional que ocasionalmente doma minhas madeixas com alguns produtos químicos bastante fedorentos que se intitulam pomposamente de “escova progressiva”. E assim lá vou eu, ficar sentada quietinha enquanto aquela gosma branca e mal cheirosa é pacientemente espalhada, escovada e alisada nos fios do meu cabelo.

Depois de folhear algumas revistas mais ou menos antigas não sobra muito para fazer a não ser prestar atenção às conversas das outras clientes, que fazem as unhas ou apenas interagem umas com as outras em animados bate-papos enquanto eu fico ali, com meus olhos lacrimejantes e meu nariz ardendo terrivelmente com os vapores que saem do cabelo superaquecido pela chapinha, me perguntando (e respondendo a mim mesma) de quando em vez: “Quem será que teve esta idéia brilhante de adicionar formol a uma formula capilar para alisar cabelos? Não sei, e o duro é que funciona!”. E, mesmo sem querer, vou ouvindo incríveis confissões sobre problemas domésticos, dúvidas religiosas e relacionamentos ardentes.

A conversa segue animada com a participação de todas e as idéias e palpites pululam aqui e ali. Receitas culinárias são trocadas, simpatias são ensinadas, opiniões sobre personagens de novelas mais ou menos maus são expressas e defendidas apaixonadamente e os assuntos se multiplicam, numa cumplicidade instantâneas, estranhamente capaz de colocar mulheres muito á vontade entre as quatro paredes de um salão.

As vantagens e desvantagens do batismo precoce das crianças vêm à tona e as opiniões divergem. Tenho que admitir que nem todas as colocações que ouvi foram inteligentes, lógicas, coerente ou sensatas. De uma moça presente, que defendia a idéia de só se batizar os filhos mais velhos, quando eles pudessem dizer que gostariam de ser batizados, ouvi a pérola: -“A Igreja Católica diz que a gente tem que batizar os filhos porque todos nós nascemos com o pecado da castidade!” Puxa vida, e eu que sempre pensei que a tal castidade fosse uma virtude?

De outra ouvi que marido a gente só consegue manter fiel e ao lado da gente quando não faltam em casa “cama e comida boas”, num claro apelo aos instintos mais primários do ser humano (amigas: esta foi inteligente, não foi?).

De uma senhora muito idosa, porém bastante vaidosa e simpática, ouvi um breve discurso sobre a falta de respeito das crianças de hoje pelos mais velhos e fiquei encantada quando ela, muito lúcida, atribuiu a culpa pelo problema às famílias desengonçadas e mal alinhavadas da nossa atual sociedade e não aos professores, os eternos culpados de tudo de ruim que acontece hoje em dia quando se trata de crianças ou adolescentes desajustados, violentos ou mal educados. Gente, é sério: quase me levantei da cadeira, com os cabelos ainda mezzo mussarela, mezzo calabresa, para aplaudir a velhinha, pois tenho a convicção de que se não houvesse a atuação dos professores em sala de aulas, domando más tendências e reparando alguns estragos emocionais vindos do lar, a coisa seria bem pior do que já é.

Enfim, meu cabelo ficou pronto (ou quase: o cheiro ruinzinho ainda persiste, pois só poderei lavá-lo daqui a dois dias, sob pena de perder os “efeitos lisos” do produto se lavar antes) e, pagando pelo serviço, me dirigi à porta carregando a sensação de ter sido testemunha de um momento intenso de intimidade entre estranhos, um momento Felliniano mesmo, onde o improvável (confissões íntimas entre estranhas) pode acontecer com toda naturalidade do mundo.

Uma última colocação: desculpem, homens, mas vocês nunca conseguirão participar de algo assim, pois é privilégio da alma feminina, a grande responsável pela manutenção da vida no planeta e da paz possível entre os homens, esta capacidade de ser e compartilhar amistosamente aquilo que se pensa, sente e pratica com outros seres humanos, sem grandes reservas ou desconfianças.

Mas não desistam ainda: se houver (e deve haver) reencarnação sobre o planeta, ainda há chance de vocês voltarem como mulheres e assim transcenderem estes limites meio estreitos que os acompanham e limitam, ok?

Tenham todos um ótimo fim de dia!

Nenhum comentário: