terça-feira, 21 de julho de 2009

PRIMEIRO ENCONTRO COM A BELEZA.

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Noutro dia, para não variar, eu fui à cidade para resolver alguns daqueles probleminhas cotidianos que aborrecem a todos nós: pagar contas, comprar alguma coisa que falta em casa, ir aos correios e etc. Andava pela calçada meio apressada, em busca de economizar alguns minutos preciosos, quando os ouvi... e seus sons me alcançaram bem antes de os olhos poderem vê-los. Daí os ouvidos me cativaram e convenceram-me (sou muito fácil de ser convencida por sons!) a mudar de rota, guiando-me em direção à praça, quando o que eu queria mesmo era ir ao banco, situado um tanto ao lado.
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Cercados pela agitação popular, que sempre invade a praça no meio da tarde, é que eu os vejo: são três homens no palco ao ar livre e, embora eu não saiba ao certo se são peruanos, bolivianos ou equatorianos, tenho certeza que vieram dos Andes, pois os traços são inconfundíveis. Vieram de longe, com certeza, e vieram trazendo na bagagem aquela música inimitável, inigualável, aqueles sons envolventes e místicos que fazem a maior festa na minha alma.
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Vieram com flautas de todos os tipos: quenilla, quena, quenacho, samponhas de vários tamanhos diferentes, ocarinas e mais; a percussão, toda feita ali, ao vivo, na mão, contava com pequenos assobios de pássaro, com carrilhões de sininhos, chocalhos e outras coisas que mal conheço; tinham também um charango (pequeno instrumento de 10 cordas) e mais uma infinidade de fontes sonoras que, reunidas em execuções magistrais, conseguiram me transportar aos cumes de Machu Pichu num passe de mágica, como por encanto!
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Vestindo trajes nada tradicionais, pareciam-se mais com indígenas norte-americanos cheios de cocares do que com digníssimos descendentes dos Incas, o que provavelmente são. Imagino que se vistam assim porque, graças a Hollywood, os indígenas norte-americanos são reconhecíveis a milhas de distância e, como suas roupas chamam muito a atenção, a probabilidade de fazer sucesso é bem maior. Mera estratégia de marketing: quando são identificados rapidamente conseguem atrair mais atenção e, consequentemente vendem mais seus cds e produtos típicos!
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Não eram assim tão jovens: dois deles já exibiam muitos fios de cabelos brancos em meio às vastas cabeleiras, amarradas em disciplinados rabos de cavalo, mas se desdobravam, tocando apaixonadamente seus instrumentos, alternados constantemente para colorir e enriquecer as melodias com harmonias e sons interessantes... (falar mais sobre estes homens que vivem da sua arte, que encarnam seus sonhos sem submissão ao sistema alienado que nos cerca é um capítulo à parte, vou deixar para outra ocasião).
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Em meio às dezenas de pessoas que, das calçadas, olhavam admiradas o pequeno show vespertino, uma garotinha de uns dois anos se maravilhava com os sons, com as formas, com os movimentos no palco e não despregava os olhos um segundo sequer dos músicos à sua frente. Ela oscilava, muito bonitinha, para lá e para cá, ensaiando uns passinhos ritmados que pretendiam ser uma dança. Os olhinhos dela brilhavam e, de vez em quando, ela se virava para nós, que estávamos mais abaixo, como que para se certificar que todos estavam prestando atenção àquela coisa maravilhosa que ela via e ouvia, para ter certeza de que ninguém estava perdendo um segundo sequer de toda aquela beleza... (talvez ela tivesse, em algum cantinho do seu pequeno ser, a intuição da importância daquela música, das centenas de anos de cultura andina que se exibia ali, naquele espaço e naquele momento).
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Mas bonito mesmo era quando eles terminavam uma música e ela abria os bracinhos, alinhando as palmas das mãozinhas para aplaudir. Antes de bater a primeira palma, ela olhava para trás e via se alguém mais ia aplaudir e, assim que soava a primeira palma, ela desatava um aplauso sonoro e alegre, feliz e espontâneo, como deve sempre ser a festa da alma de uma criança diante de algo tão belo.
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Os músicos, muito bons por sinal, venderam muitos cds (eu comprei um, claro!), assim como flautas e objetos de decoração, todos lembranças que algumas pessoas carregarão para sempre em suas vidas. Mas aquela garotinha em especial, embora não tenha comprado nada, com certeza carregará para sempre dentro de si uma lembrança de maior valor: o dia em que ela festejou, sob um céu de puro azul e no meio da praça central, sua descoberta pessoal da beleza, da música, do encanto de que são capazes aqueles sons que viajaram centenas de anos e milhares de quilômetros para encontrá-la ali, tão pequenina, naquele exato momento da sua vida.

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