sexta-feira, 31 de julho de 2009

AOS MEUS AMIGOS NO MEU ANIVERSÁRIO.

Caros amigos...


Hoje, 31 de Julho de 2009, estou completando cinquenta anos de idade.

Nossa, meio século! Eu quase não acredito, meu coração estacionou lá pelos vinte e não consegue crer que já chegamos aqui.

E chego aos cinquenta feliz, inteira, de bem com a vida. É, de bem com a vida, mas não porque ela me dê tudo o que desejo e penso merecer, e sim porque estou aprendendo a aceitar as coisas como elas são, sem me arrebentar por causa disto.

Chego aos cinquenta com o mesmo olhar estatelado que tinha quando criança. E chego olhando, de dentro da minha mente, a vida que acontece lá fora como quem olha um picadeiro a partir da arquibancada. Ocasionalmente eu me viro e vejo ao meu lado pessoas que me encaram como se eu fosse o palhaço do picadeiro... mas tudo bem, isso deve fazer parte do processo de vida delas, onde eu deixo de ser platéia para ser a artista..

Há fios brancos no meio dos meus cabelos, mas persisto na mania de tingi-los e assim eles praticamente não são notados. Eles já foram castanhos, louros, já tiveram luzes, já foram crespos ou alisados. Longos, curtos, arrepiados, domados, picotados, masculinos... experimentei de quase tudo em termos de cabelo e sigo encantada vida afora com o fato de que eles sempre crescem e me dão a oportunidade de reparar algumas solenes cagadas estéticas, sempre cometidas em nome da vontade de mudar.

Mudar o que, mudar para quê? Sei lá, só sei que é imprescindível para mim mudar, nem que seja a marca do xampú. Sem mudanças a vida parece começar a perder a cor, começar a cheirar mal. Água estagnada, sabe como é? Parece que tudo começa a criar um depósito de sujeira no fundo, começa a incomodar...e aí a gente tem que agitar, renovar, filtrar, fazer um algo qualquer que possa mudar o status quo. E este mudar pode significar apenas um singelo tosar de madeixas ou, o que no meu caso já ocorreu muito, descartar tudo aquilo que se é num determinado lugar para partir para outra num lugar novo, começando do zero com a cara e a coragem.

Não é muito simples fazer, assim de bate-pronto, um balanço de cinquenta anos de vida, ainda mais quando se é um ser tão complexo quanto eu. Nada é muito simples na minha vida e às vezes tenho a impressão que meus dias todos caminham na contra-mão dos dias ditos "normais". Tudo o que é simples na vida dos outros na minha acaba por tomar proporções épicas. Saibam que não é nada fácil ser eu!

Mas por mais incomum, incômoda, estranha, original e atrapalhada que eu possa ser ou parecer às vezes, eu afirmo que tenho um pézinho careta bem plantado no solo da normalidade. Cultivei flores, plantei árvores, tive filhos de formas variadas (próprios ou importados) e escrevi, senão livros, muitas e muitas poesias e crônicas que hoje voam por aí, independentes de mim. Chorei a morte dos meus queridos pais, fiz amigos, inimigos, me casei, me separei, me casei novamente, tornei a me separar (com dois homens de sobrenomes idênticos e de profissões iguais, diga-se de passagem, tipo da coisa que só acontece comigo), namorei, desisti de namorar, abracei o celibato (se vai durar eu não sei, mas estou amando!).

Deixei ao longo da minha vida amigos queridos perdidos no tempo, assim como provavelmente não serei lembrada com muito prazer em alguns outros ambientes. Bocuda demais, sempre disse em bom tom e com sinceridade excessiva aquilo que pensava, coisa para a qual a maioria dos seres não está preparada. Se isso me rendeu algumas antipatias, é verdade que também cativou pessoas afins e me proporcionou um sono bom e tranquilo. Não sei mentir, sempre digo a verdade. No nosso mundo isto é um defeito, por certo... mas ninguém é perfeito!

Houve momentos em que me afastei demais do caminho da minha alma, seguindo momentaneamente pelas as trilhas seguras que outros já palmilharam, sem reparar que minha essência é a do lobo que segue ao largo dos pastores e dos rebanhos, abrindo por si mesmo seus caminhos às custas de muita determinação, coragem e desassombro. Nestes momentos me perdi de mim mesma a ponto de não reconhecer mais minha própria imagem, a ponto de me tornar mero borrão existencial.

São cinquenta anos de idade e ainda não sei muito bem o que faço aqui, nem descobri respostas para a maioria das questões mais cruciais que habitam minha mente. Mas pressinto que vou indo bem no sentido de encontrá-las.

Se é que isso serve para alguma coisa, posso dizer que embora nem sempre eu saiba muito exatamente o que quero da vida, hoje em dia eu ao menos sei bem o que eu não quero. E eu não quero sentir raiva nem ódio de algo ou de alguém, não quero solidao, não quero acordar para apenas sobreviver a mais um dia... quero significado para as horas, quero prazer para os minutos Também não quero incompreensão, dias sem beleza, sorrisos falsos e amizades oportunistas; quero apenas a simplicidade das conversas bobas sem hora para acabar, os sorrisos da alma, os toques do coração. Quero a comida feita pra partilhar, a canção cantada a muitas vozes, o olho olhando no olho, a mão pegando na mão.

Não quero dias mortos, quero celebração; não quero artificialismos, quero a coisa genuína. Não quero roupas caras nem ambientes sofisticados, quero só o aconchego da amizade e a sinceridade das dores e dos sonhos humanamente compartilhados.

Se eu morresse amanhã com certeza partiria sem dor, sem pena, sem a sensação de ter deixado para trás algo incompleto ou mal feito. Sei que fui sempre inteira no que resolvi fazer, que fui sincera nas minhas colocações e que fui ao limite das minhas curtas pernas. Nada teria a lamentar partindo hoje, muito menos a temer, pois ao aceitar minha falibilidade e minha pequenez humanas eu descobri que não posso tudo, e assim sei que o pouco que eu posso fazer eu sempre faço da melhor forma que consigo fazer. E então arrepender-me de que? Temer o que? Lamentar o que?

É isso... e agora você deve estar se perguntando porque foi que eu enviei este texto meio doido para você. Oras, é muito simples: você é em parte responsável por tudo aquilo que eu sou hoje. Em maior ou menor grau, para o bem ou para o mal (figura de linguagem, meu amor, pois bem e mal não existem, são apenas conceitos criados a partir do nosso pequeno ponto de vista) você me ajudou a crescer, a refletir, a sobreviver, a me tornar. Este "vir a ser " não seria o mesmo sem a sua presença nos meus dias e com certeza haveria um lacuna em mim sem a sua contribuição. Foram os nossos muitos "ontens" que possibilitaram este hoje que eu agora vivencio.

Voce deve ser aquele ou aquela que me ensinou a crer, ou a descrer... deve ter feito com que eu risse ou chorasse, deve ter me indicado um livro, um filme. Quem sabe você teria me dado uma receita de algo delicioso? Talvez você seja aquele tipo de amigo especial que ouviu minhas lamúrias chatas nos meus tempos mais confusos...ou um dos que compartilharam comigo aqueles três anos duros da minha fratura. Ou, quem sabe, foi um amigo da adolescência, da mocidade? Você pode ser aquele ou aquela que, ostentando o nome de filho ou filha, de irmão ou irmã, primo ou prima, veio para perto de mim para partilhar os dias com mais intimidade, com trocas mais intensas. Pode ser alguém que tocou e cantou comigo, dividindo entre sons momentos nos quais pudemos entrever o paraíso. Ou ainda você pode ter sido quem estava ao meu lado nos momentos em que uma bobeira qualquer acabou em risadas ou em alguma pequena calamidade.

Na verdade não me importa qual sua participação na minha vida, pois sei que de alguma forma ela foi preciosa.

E por isso eu lhe agradeço: MUITO OBRIGADA! Obrigada por estar ou ter estado ao meu lado, aturando amorosamente este todo incoerente (porém belo) que eu sou. Muito obrigada pela partilha, pelo aviso, pelo puxão de orelhas, pelo riso fácil, pela lágrima compartilhada, pelo livro emprestado, pela grana na hora mais difícil, pelo auxílio nos momentos críiticos, pelo presente de ontem, pelos sonhos de amanhã.

Muito obrigada por ser meu amigo!

Bjins.... com carinho demais da conta sô!

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terça-feira, 21 de julho de 2009

PRIMEIRO ENCONTRO COM A BELEZA.

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Noutro dia, para não variar, eu fui à cidade para resolver alguns daqueles probleminhas cotidianos que aborrecem a todos nós: pagar contas, comprar alguma coisa que falta em casa, ir aos correios e etc. Andava pela calçada meio apressada, em busca de economizar alguns minutos preciosos, quando os ouvi... e seus sons me alcançaram bem antes de os olhos poderem vê-los. Daí os ouvidos me cativaram e convenceram-me (sou muito fácil de ser convencida por sons!) a mudar de rota, guiando-me em direção à praça, quando o que eu queria mesmo era ir ao banco, situado um tanto ao lado.
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Cercados pela agitação popular, que sempre invade a praça no meio da tarde, é que eu os vejo: são três homens no palco ao ar livre e, embora eu não saiba ao certo se são peruanos, bolivianos ou equatorianos, tenho certeza que vieram dos Andes, pois os traços são inconfundíveis. Vieram de longe, com certeza, e vieram trazendo na bagagem aquela música inimitável, inigualável, aqueles sons envolventes e místicos que fazem a maior festa na minha alma.
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Vieram com flautas de todos os tipos: quenilla, quena, quenacho, samponhas de vários tamanhos diferentes, ocarinas e mais; a percussão, toda feita ali, ao vivo, na mão, contava com pequenos assobios de pássaro, com carrilhões de sininhos, chocalhos e outras coisas que mal conheço; tinham também um charango (pequeno instrumento de 10 cordas) e mais uma infinidade de fontes sonoras que, reunidas em execuções magistrais, conseguiram me transportar aos cumes de Machu Pichu num passe de mágica, como por encanto!
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Vestindo trajes nada tradicionais, pareciam-se mais com indígenas norte-americanos cheios de cocares do que com digníssimos descendentes dos Incas, o que provavelmente são. Imagino que se vistam assim porque, graças a Hollywood, os indígenas norte-americanos são reconhecíveis a milhas de distância e, como suas roupas chamam muito a atenção, a probabilidade de fazer sucesso é bem maior. Mera estratégia de marketing: quando são identificados rapidamente conseguem atrair mais atenção e, consequentemente vendem mais seus cds e produtos típicos!
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Não eram assim tão jovens: dois deles já exibiam muitos fios de cabelos brancos em meio às vastas cabeleiras, amarradas em disciplinados rabos de cavalo, mas se desdobravam, tocando apaixonadamente seus instrumentos, alternados constantemente para colorir e enriquecer as melodias com harmonias e sons interessantes... (falar mais sobre estes homens que vivem da sua arte, que encarnam seus sonhos sem submissão ao sistema alienado que nos cerca é um capítulo à parte, vou deixar para outra ocasião).
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Em meio às dezenas de pessoas que, das calçadas, olhavam admiradas o pequeno show vespertino, uma garotinha de uns dois anos se maravilhava com os sons, com as formas, com os movimentos no palco e não despregava os olhos um segundo sequer dos músicos à sua frente. Ela oscilava, muito bonitinha, para lá e para cá, ensaiando uns passinhos ritmados que pretendiam ser uma dança. Os olhinhos dela brilhavam e, de vez em quando, ela se virava para nós, que estávamos mais abaixo, como que para se certificar que todos estavam prestando atenção àquela coisa maravilhosa que ela via e ouvia, para ter certeza de que ninguém estava perdendo um segundo sequer de toda aquela beleza... (talvez ela tivesse, em algum cantinho do seu pequeno ser, a intuição da importância daquela música, das centenas de anos de cultura andina que se exibia ali, naquele espaço e naquele momento).
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Mas bonito mesmo era quando eles terminavam uma música e ela abria os bracinhos, alinhando as palmas das mãozinhas para aplaudir. Antes de bater a primeira palma, ela olhava para trás e via se alguém mais ia aplaudir e, assim que soava a primeira palma, ela desatava um aplauso sonoro e alegre, feliz e espontâneo, como deve sempre ser a festa da alma de uma criança diante de algo tão belo.
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Os músicos, muito bons por sinal, venderam muitos cds (eu comprei um, claro!), assim como flautas e objetos de decoração, todos lembranças que algumas pessoas carregarão para sempre em suas vidas. Mas aquela garotinha em especial, embora não tenha comprado nada, com certeza carregará para sempre dentro de si uma lembrança de maior valor: o dia em que ela festejou, sob um céu de puro azul e no meio da praça central, sua descoberta pessoal da beleza, da música, do encanto de que são capazes aqueles sons que viajaram centenas de anos e milhares de quilômetros para encontrá-la ali, tão pequenina, naquele exato momento da sua vida.

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